segunda-feira, 10 de outubro de 2016

VAPORWAVE



 
(...)

-- Que tranqueira é essa, meu filho?
-- É vaporwave, vó!
-- Não, não, isso aí é musica de toque de celular.
-- Deixa eu explicar, é um estilo novo, de música sintética que...
-- Música uma caceta! Para mim, meu filho, musica é João Mineiro & Marciano; Leandro & Leonardo...
-- Mas vó, não mexe nos meus fones, não...
-- Esse é o problema dessa geração: Maconha & celular... Vou até escrever um ensaio sobre isso. Fumam um e depois ficam ti, ti, ti, ti no celular...
-- Vó, a senhora não escreve ensaios e isso aí não são os fones de ouvido, são meus dreads...

***

Vocês não iriam achar que agente lê autores grandões para vir aqui e escrever qualquer coisa para vocês, não é? Mas o fato é que é sim. Até porque isso é muito vaporwave também. Leio Cannetti e escrevo igual ao Padre Marcelo Rossi. Num episódio de Bojack Horseman, numa viagem de acido, ele resolve escrever um livro, mas só o que manda para a editora são 20 links do youtube, impossíveis, lógico, de serem transcrito. Seria essa a escrita do futuro? Seria o passo além de Sebald e suas obras? 

***

Meus pais são gaúchos, tem churrascarias e só isso já impediria – numa alma dotada de bom senso, é claro – de que eu fosse vegetariano, mas como minha geração é prodiga em inventar modas – não a toa somos campeões em formar artistas sem obras – lá fui, para São Paulo, querer ser artista e virar vegetariano por um dia.

Era meu primeiro dia em Sampa e deslumbrado com os prédios; com a livraria cultura no conjunto nacional; com as lojas de roupas; com o visual das pessoas e com o metrô, esqueci da hora do almoço. Pensei: Já que estou em outra cidade, no lugar onde se melhor come no país, vou de algo diferente. E o diferente era um restaurante vegetariano, daqueles onde o cardápio fica na entrada (de tão caro que são), com as opções escritas num quadro negro na calçada. Só havia, como na vida, uma opção: Uma tal Young Salad, que pelo que entendi vinha com rúcula e sementes de girassol. 

Entrei no lugar e esperei o garçom, o som era vaporwave, essa musiquinha de elevador mixada com toques de celular e barulhinhos de videogame, que se ouvirmos muito ou ficamos com dor de cabeça ou presos para sempre num filme do John Carpenter. Para o meu espanto apareceu um magrelo, de óculos de acetato e bigodes arrebitados que certamente seria um dos primeiros a morrer num filme de terror. Aqui tudo é diferente, pensei, até os garçons, adapte-se, Alcides! Pedi. 

A salada demorou uma hora para chegar e eu que tive de ir buscar o prato no balcão. Na verdade, aquilo não era um prato, era uma tapoware, fechada, cheia de rúculas e sementes. E o vaporwave rolando... Tudo é diferente aqui, calma, Alcides... No balcão, não havia aqueles velhos conhecidos da gente: Borges, minhoto... E eu, um extra-virgem naquele tipo de ambiente, julguei que a salada já vinha temperada, mas na primeira garfada, foi como mastigar uma resma de folhas xamex. 

Eu queria tempero e não queria incomodar o garçom – na verdade, nem ele queria ser incomodado, pois sumira. Foi então que notei, na mesa ao lado, uma garrafinha com um borrifador e dentro um liquido que para minha avó seria definido como “puxando para o verde”. Peguei a garrafa e repeti o mantra: “Aqui tudo é diferente, vaporwave, garçons de aspecto detestável, gente de bermuda no frio... Então, porque o azeite viria numa garrafinha normal?”.

Mirei o borrifador na salada e puxei o gatilho me sentido o Clint Eastwood atirando nos inimigos: Era como se atirasse no garçom, como se atirasse no preço das coisas, nos bigodes arrebitados, nos prédios, na música vaporwave, nos meus cabelos que já viravam dreads com a poluição... Já estou adaptado, pensei, consegui temperar uma salada em São Paulo, o que esperar mais? E na primeira garfada da minha vida nova, notei o inevitável:

Era vidrex.

Cid Brasil

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