quinta-feira, 20 de outubro de 2016

PIADAS



(Mistérios e Paixões, filme de David Cronnenberg)



1.
Ao ver sua conferência intitulada “tema livre” ir naufragando aos poucos, Alejandro Zambra resolveu falar sobre um tio que detestava argentinos e que certo dia se viu vitima do próprio veneno ao ser confundido com um argentino. Apanhou tanto das pessoas que o confundiram que só teve forças para chegar em casa e desmaiar aos pés da mulher. Vendo o estado lastimável do marido, ela lhe perguntou o óbvio: Porque, afinal, não desfez o engano dizendo que era chileno. O tio de Zambra respondeu: “É que me encanta que moam de pancadas esses filhos da puta na rua!”.

2.
Um repórter da TV manchete estava em Berlim para cobrir a queda do muro, que recém havia sido derrubado, e buscando algo com que preencher a matéria, notou um casal na rua falando em português e pediu para eles darem um depoimento sobre o fato histórico. Gravaram e o entrevistado se apresentou como José da Silva, comerciante. Só quando a fita chegou ao Brasil foi que um diretor reconheceu que aquele “José da Silva” tratava-se na verdade de Rubem Fonseca, famoso contista e famoso também por detestar entrevistas e fazer qualquer pose como escritor. Quem conta essa é Ignácio de Loyola Brandão. Segundo ele o repórter, por perder o furo, perdeu também o emprego.

3.
Só conheço piadas envolvendo escritores, eis a minha obra com a qual vou me enganando dia após dias, o que termina por me fazer agir igual aos clientes de Henry Miller, que no começo de seus anos de esbórnia em Paris, trabalhou como garçom e revelou se divertir ao reproduzir uma esquete de Marcel Marceau, o mímico, perante os clientes insatisfeitos. 

Conta ele que quando alguém reclamava do filé ou das bebidas que trazia ele as levava de volta até a cozinha, demorava alguns minutos por lá, às vezes só virava o filé ao contrário e tornava a trazer o mesmo prato para a mesa, sem sequer assar mais a carne ou mudar a bebida em questão. O milagre, segundo ele, era impressionante. As coisas se transformavam com essa ilusão de mudança na cabeça das pessoas. Isso só acabou quando o patrão resolveu fazer o mesmo com seu salário, fingindo que o pagava.

4.
Há um conselho muito famoso entre os romancistas de que para escrever um romance, as condições ideais seriam cometer um crime na Suíça e passar uma temporada em uma de suas penitenciarias, devido a limpeza das celas, a qualidade das refeições, a discrição dos presos e organização geral. “Cometam um crime na Suíça”, é o conselho que os mais velhos dão aos seus pupilos.

5.
Emmanuel Carrére, na biografia de Philip K. Dick, escreve que o mestre da ficção cientifica foi perseguido pelo Macarthismo nos anos 50 e que teve até dois agentes do FBI na sua cola por um tempo. No dia em que os agentes bateram na sua porta a fim de saber das suas ligações com o comunismo (só por que sua esposa era membro do partido socialista) perguntaram-lhe a queima roupa se ele tinha ligações ou simpatias pelos russos, Dick, imagino que tentando fritar os cérebros dos agentes, quase se deu mal ao responder:

-- Não – e logo depois completar – Mas quem garante que se eu fosse comunista não responderia a mesma coisa?

6.
Um minuto de silêncio para todos aqueles escritores que entenderam mal o conselho de cometerem um crime e acabaram aprontando na Turquia e não a Suíça, onde revivem, dia após dia, as cenas que vimos em “Expresso da Meia-Noite”, filme de Alan Parker. 

7.
Por falar em piadas e tragédias: Nunca saberemos se William Burroughs matou de fato a esposa com um tiro de espingarda na cara ou se estava apenas brincando de Guilherme Tell – segundo ele mesmo disse a polícia – tentando acertar um copo acima da cabeça de sua companheira.

Cid Brasil

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