quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

CLAQUE


(Poster do filme: "Vocês Ainda Não Viram Nada!", de Alan Resnais. Arte de Blutch)



Senhoras e senhores do júri: O baile é o seguinte: Um perfil numa rede social, nunca é só um perfil numa rede social. Assim como sexo nunca é só sexo ou uma piada é só uma piada. Por ora, fiquemos nas redes. Nossas postagens não estão além do jardim do bem e do mal, como diria Nietzsche. Tampouco não é porque “ninguém comentou que não se ofendeu”. Redes sociais dizem muito de nossas carências, buscas, anseios e preconceitos. 

Recentemente Mark Zuckerberg, o criador do FB, divulgou sua meta para 2015: Que era, segundo ele, ler mais esse ano. Chegou até a inventar um grupo para que os seguidores indicassem e debatessem sobre as obras literárias que ele escolhesse. Não há altruísmos na “meta para 2015” de Zuckerberg. Ele não quer ficar mais culto ou colaborar com a estante de seus devotos, o que existe é algum vinculo com o mercado editorial americano, que é poderosíssimo por aquelas bundas; o que há é a busca por ganhar algum enquanto finge estar disseminando cultura. É um pouco como aquele pensamento, que em geral partem dos autores de Best-Sellers, de que é melhor as pessoas estarem lendo Crepúsculo ou Cinquenta Tons de Cinza, do que não estarem lendo nada. O dano aí, no caso dos livros mais vendidos, não são as histórias, mas sim seus autores, que não puxam, não guiam, não encaminham seus livros para outros livros, não funcionam como mapa ou indicação para o ouro. Para a arte. 

Negam-se acintosamente a passar a bola para um Shakespeare ou um Kafka ou uma Clarice Lispector. E não dar esse passe, amigos, é o maior dos pecados e por isso mesmo merecem apanhar e apanhar no oitavo círculo da Divina Comédia. Eternamente.

Arte e artistas não só abrem cabeças, eles as costuram e empurram nossas cadeiras de rodas. São valentes, como o verdadeiro amor tem que ser valente, como a verdadeira arte tem de ser valente. Levar-nos pelas mãos até outras mãos, também é arte. E também é amor. Falta arte, falta amor, falta coragem nos dias que correm.
E é impossível falar de valentia e arte essa semana, sem falar nos bravos cartunistas e na equipe de redação do Charlie Hebdo, que foram assassinados em Paris na última quarta. Aquela tragédia só fez aumentar as cores de um pesadelo que tenho, na verdade um trauma. Explico: Uma vez, quando julgava ser ator, fui convocado para um papel dramático, obviamente me esforcei horrores nos ensaios e no dia da estreia, assim que entro no palco e digo minha primeira fala – meu papel era o de um homem traído, numa montagem de Nelson Rodrigues – a plateia caia na risada. Prossigo bravamente com meu papel-desempenho (como diria Guimarães Rosa) e minha coleguinha de cena, para acompanhar os que assistem, passa a improvisar, a alimentar as gargalhadas, a pedir para ser aceita, e de repente me vejo dentro de um pastelão, ou dentro de um daqueles horrorosos episódios do Sai de Baixo. Era como se eu fosse o único tentando avisar do incêndio que havia nos camarins para um bando de hienas. Creio que há uma peça teatral do Lourenço Mutarelli em que um palhaço de circo é convidado para uma festa, e ele, deprimidíssimo, passa a contar seu drama para os convidados e a cada lágrima derramada o som de uma gargalhada inunda o teatro.

Ultimamente ao abrir o facebook, essa sensação de estranhamento tem aumentado. Para que plateia estou falando? Que amigos convidei para vir e para assisti-los? É o que me pergunto todas as vezes em que vejo os dentes de alguém. 

(Talvez o teatro já esteja vazio e agora eu possa pensar alto: Vocês não tem ideia como esse texto salvou o meu dia. Obrigado).

Cid Brasil

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