domingo, 23 de março de 2014

VERGONHAS


(Franco Matticchio)


Se a casa onde moro é considerada a mais feia da rua, ou a mais suja, o que eu faço além de ficar envergonhado? Sumir ou me enfiar embaixo da cama não dá. Pois afinal continuarei sendo o responsável direto por ela. Então o que me cabe? 


Questionar-me como deixei a situação chegar aí? Contratar alguém? Demoli-la? – Se não der, talvez caiba a alguma alma mais corajosa simplesmente sentar no banquinho e dizer da porta: “Pois é dona Neide, tô sem grana esse mês para aquela reforma, me distraí.”, “Querem saber, tá suja mesmo...”, “Quer passar a língua nessa parede para ver se limpa?”. São reações. Boas ou más: Reações. A vergonha ás vezes incita revolta, mudanças, aceitações. Ou só acua e gera risadas. Depende. É um sentimento tão particular quanto o amor.


***


Domingo, a coisa mais ouvida nas casas – reais e virtuais – de Maceió após a matéria do fantástico foi: “Olha só que vergonha, Maceió a cidade mais violenta do país...” Mas vergonha de que? Da completa nulidade de quem está no governo do estado, ainda com nossa ajuda ou falta dela? Vergonha de escrever que está com vergonha e amanhã ir bater o ponto na sala vizinha do deputado acusado de assassinato? Vergonha da arma que comprei sem ter porte? Vergonha de estar numa faculdade de leis e copiar o trabalhinho do colega? Vergonha do eterno silêncio mesmo sendo um formador de opinião na mesa do jantar? Vergonha de ter dito “bandido bom é bandido morto” depois que levaram meu iphone? Vergonha de criminalizar assistência social teclando do quarto dos pais? 


Se forem essas, tá valendo... Contato que amanhã não desçam pelo ralo do chuveiro e desague na praia. Agora, se for a sensação que instiga reações como a do moço da casa suja. Pelo menos há um começo para se descobrir um.


Também não é só culpa dos vizinhos que jogam terra nas paredes. Nem tampouco do maloqueiro que vende crack na rua e limpa a mão nas nossas costas. Talvez quem suje nossa casa sejam fatores bem mais fortes que vento ou a sorte.


O que não dá é dizer que sente vergonha e ficar esperando o mesmo moço bem intencionado de quatro anos antes bater na sua porta – usando talvez outras roupas – beijar nossos filhos e apertar nossas mãos apenas na intenção de usar a casa como moldura para que ele estampe um nome, um número e uma função naquelas paredes tão sujas. – Por que aí sim dá pra se sentir bastante envergonhado.



Cid Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário