quarta-feira, 19 de março de 2014

SÉPIA





O pai abraça o filho num claro movimento destreinado – ainda que natural como os pássaros ao vigiarem o ninho –, a mãe tão elegante em seu cansaço observa tudo a frente da mesa, bebendo uma coca-cola. O amigo da família segura um violão, o clique o prendeu num tom inimaginavelmente sério – talvez se lembre do filho que abandonou em outra cidade. 

Junto deles outras crianças terminam os parabéns...

***

Pela segunda vez na minha vida, caio na besteira de olhar com atenção aquela foto. A primeira vez foi quando a descobri. E a única conclusão que chego é que por causa dela e desses dois encontros, entendo melhor porque tanto Hollywood quanto a Disney ou as novelas da globo nunca me roubaram uma lágrima,; assim como os desfiles de carnaval, as aberturas de jogos olímpicos e outras ditaduras da alegria nunca me disseram nada.

Ao contrário, o meu profundo respeito é devotado as pequenas cenas, aos times derrotados, aos excluídos das melhores rodas e festinhas, aos que varrem os confetes, aos alunos do fundo da sala, aos alfarrábios, as piores notas... E também as casas sem reboco, aos refrigerantes com canudinhos, aos verdadeiros artistas marginais, aos que viajam de ônibus só com uma asa de frango na barriga, aos farofeiros de domingo, ao mendigo daqui da esquina e a tudo aquilo revestido pelo sépia acidental do tempo e da indiferença.

Assim como aqueles que buscam a vida inteira reviver o único abraço do pai no colo dos outros – embora nunca peçam. 

Devolvo a foto para a caixa que abrirei no futuro. Que ela descanse. Que ela não se corrompa perante o cotidiano. E que no nosso terceiro encontro, novamente me de conta de que meu único luxo é a solidão.

Cid Brasil

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