terça-feira, 21 de janeiro de 2014

NOTURNO



(Giorgio de Chirico)



Na minha rua, quer dizer, na rua onde moro, há três dias que circulava um cavalo acinzentado; ia até a esquina, voltava, ás vezes dava toda uma volta no quarteirão e anteontem estava parado na porta de uma padaria na esquina, quase como se esperasse raiar o dia como se ele próprio fosse um cliente... Em todos os três dias, manteve um fiel rigor em suas aparições noturnas. Tudo bem que não esperava ver as duas da madrugada, um cavalo trotando por aí... Mas já vi outros espécimes de menor ou maior carisma, com bem mais elegância em seu andar perdido. Nem mesmo aquela leve moleza, típica de seus pares este pobre animal possui. 


É um animal, não triste de se ver, mas triste em si.


Não posso deixar de admirar o flâneur equino do Pinheiro, - que por motivos o batizei de Noturno - com seu caminhar mole e de cabeça baixa, que ao mesmo tempo me deixa espantado ao constatar em minha memória que existem muitas pessoas que caminham iguais a cavalos. – Ou escrever isso é muita arrogância de minha parte? (E uma das regrinhas do bom cronista, é não emitir coices em seus escritos), creio que o mais correto é dizer que a tristeza é um sentimento que tem sua própria cadência. – E por que não dizer, seu charme?


Quixote experiente em todos os cantos, recantos e bodes desse modo de viver solo, e conhecedor de todas as manias, mumunhas e estados de la solitude, ouso afirmar que Noturno meu Rocinante flanador é a solidão em cavalo. Lembro de mim, caminhando há um tempo atrás por São Paulo, na época com planos de me mudar de lá, andando bêbado de uma fanta uva alcoólica batizada de vinho e de saudades: Da minha família, de uma antiga paixão, de meus hábitos juvenis e até dos amigos que tinha acabado de me despedir na esquina... Meu andar trôpego e ausente de sentido é o mesmo do espírito que habita Noturno. Conheci uma vez um cachorro chamado Jack, que seu estado depressivo me comove profundamente até hoje, assim como lembrar de seu gesto mais habitual era o de colocar a cabeça no colo de qualquer um que lhe desse atenção. Noturno e Jack, são parentes, assim como fomos irmãos naquela noite paulista, cuja foto alegre minha com dois amigos foi só o que sobrou daquela noite e daquelas pessoas... (Antes que alguém pense que moro longe da civilização, - Como às vezes até eu mesmo desconfio -, digo que o bairro do Farol não é dos mais selvagens, temos até posto de gasolina 24hs! – Este, outro palco de estátuas de saudade dentro de suas ‘conveniências’ entre garrafinhas de cerveja e sanduíches com aspecto cadavérico).


Nesta última madrugada, seu dono apareceu, deu uns beijinhos no ar, fez umas onomatopeias sonoras e levou Noturno com uma corda tão velha e tão cansada quanto os dois.



Cid Brasil

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