quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PALHAÇO À PAISANA


(Brecht Vandenbroucke)



Lá fora soltam fogos, pouco me importa nessa noite, se time A ou B ganhou ou foi campeão. É só uma coisa idiota chamada futebol; tudo bem: É algo que melhora e torna mais amena a rotina de cada, tudo bem. Que festejem!

Estranhamente, nessa noite acabo de me lembrar da última vez que fui a um circo. Falo de circo-circo, daqueles com lona furada, palco do multi-homem: Que era bilheteiro, trapezista, pipoqueiro e piloto no globo da morte; daquele espaço que nos deixava apreensivos não pelo atirador de facas, mas sim por causa da arquibancada mal fincada no chão que balançava a cada ato, provavelmente pregada pelo vizinho também desempregado ou por outros desocupados que acompanhavam o Gurgel anunciando a chegada do “Mundo mágico do circo”. E claro, o palhaço levemente alcoolizado.

Fui junto com o João, que era caseiro do sítio onde eu morava, e no fim voltando para a casa, eu devia ter uns sete anos e o João parou no bar do Pereira para tomar a última do dia, e para a surpresa de todas as crianças que acompanhavam os pais, tios ou agregados nas ‘últimas do dia’, o palhaço do circo estava lá na mesma missão. Obviamente sem maquiagem, sem peruca roxa e sem o sapato número 55. Era um senhor, baixinho, de olhos fundos e pele queimada. Parecia tímido, escorado no balcão olhando o copo vazio. Me lembro que o João chegou no balcão e o palhaço à paisana perguntou se eu era filho dele. “Não, esse é filho da minha patroa!”, disse o João segurando minha mão. O homem, que ainda tinha um pouco de maquiagem perto do pescoço me olhou demoradamente, deu um sorriso mais triste que sua figura e quis saber se eu tinha gostado da apresentação, logo depois se apresentou só para nos dois como Palhaço Gastrite.

João quis saber como era a vida no circo, quanto ele ganhava, se fazia muito tempo que ele era palhaço... Não me lembro das respostas do Senhor Gastrite, mas sim de sua expressão cansada e da sua mão direita que ia, vinha e fazia desenhos no ar a cada frase, a outra mão, sempre no bolso da bermuda, escondida. Do que ele disse, só recordo quando tocou no ombro do João chamando-o de amigo e a mim de amiguinho e disse: “Haja o que houver meu coleguinha, nunca desanime. Sorria!”.

Eu não iria escrever sobre isso; escritores de verdade dizem que na verdade agente nunca escreve o que quer. Deve ser a mesma coisa com a vida, agente nunca leva a vida que se quer. Pois no dia em que me lembrei do homem que pediu para que eu mantivesse a alegria mesmo que a lona furasse, o carro quebrasse ou ninguém aparecesse, estou profundamente triste. Igual a ele, naquele bar. Igual talvez, aos torcedores do time derrotado no inicio dessa crônica.

Cid Brasil

Um comentário: