quarta-feira, 25 de setembro de 2013

SAUDADE



(Victor Ngai)


Você lembra quando dizia que queria ter cinco filhos? Sim, respondo, faz tempo não é? Nesse tempo eu ainda era filho. Ela sorri. Sorrimos juntos. E de repente ela solta, com toda a doçura que a frase exige.


Saudades de você.


Saudades da gente! - É o que respondo.


Ao falar a frase acima, no mesmo instante já sinto que sentirei saudades dessa conversa. Que quando chegar em casa irei aprisionar o momento dentro de alguma crônica ou bilhete que no futuro... 


Saudade seria um bonito nome para uma criança, ela volta dizendo.

Eu, bobo, só aceno a cabeça dizendo que sim. Eu gostaria de me chamar Santiago. Quando criança, um dos meus cinco filhos seria Santiago. Hoje. Gostaria de me chamar Saudade. E um dos meninos será Saudade.


Beijos no rosto. Apertos de mão. Olhares enciclopédicos.


Fico só. Sentando. Peço a conta dos expressos e dos dois chás. Papel e caneta nas mãos. Por dentro, todo devastado e nas ruínas só uma faixa branca balança, nela escrita em letras vermelhas e caixa alta a palavra: Saudade.


No guardanapo escrevo:

Saudade é eternidade; saudade é posse. Saudade é eu te amo dito ao contrário. E dizer que ama, é ter saudades. Mentira deslavada quem diz nunca ter saudades, quem diz isso nega que viveu. Mas talvez eu não acredite simplesmente por ser um memorialista precoce. Quando começo a enumerar as minhas paro e percebo que todas elas juntas formam um tijolinho, depois uma casa, depois um bairro, em seguida uma vizinhança e depois pessoas... Árvores, carros, vitrines. E quando vejo essas saudades se transformam num lugar cheio de gente, de rostos que nem sei os nomes e de um casal conversando. Presto atenção até em quem nos vê, em gente que irei batizar, por que sempre batizo, com essa palavra linda: Saudades. 


Ela, de repente volta, diz que esqueceu a caneta. Era mesmo, pertencia a ela isso também. Entrego, e fecho o guardanapo no bolso. Sigo acompanhando-a até a porta, conversando mais, no bolso esmago o guardanapo na ânsia de cravar nele, como meu suor o que vou ouvindo e principalmente o que vou sentimento.  É só aí que finalmente ela se despede e se lembra (com saudades) dos planos que fazíamos quando criança.



Cid Brasil

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

JAPÃO


(René Magritte)



- Menino. Como é que você vê o mundo?
- Ah, tio! Eu vejo o mundo dentro da minha cabeça: Imagino que os jogos da escola e daqui da rua passam na TV; que a Mariana sente o mesmo que eu; que quando eu saio os bonecos andam sozinho, mas isso é culpa do filme eu acho. Eu acho também que tudo que eu penso acontece, que se eu não fizer coisa errada o que eu quero acontece. Tem dias tio, que eu sou o homem aranha e em outros sou o Chapolin. Tem noites que eu tenho medo assim do nada. Deve ser porque eu quero que ninguém vá mais embora daqui de casa. De manhã eu sempre me olho no espelho e tento ver como eu vou ser quando crescer, com vai ser a minha cara. E o meu diário tio, tá todo em branco. O senhor também é assim tio?

- Igualzinho, só que todos os dias eu me olho no espelho pra me lembrar da minha cara quando criança.
- Tio, como é envelhecer?
- É ficar desconfiado até dos próprios sonhos.
- Me faz uma pergunta tio?
- Tá. Você acha que sabe tudo, não é?
- Sim!
- Que o mundo só existe por sua causa não é?
- Aí tio, para com isso! Tá bom já.
- Desculpe.
- Tá desculpado. O senhor não sabe fazer perguntas tio. Deixa eu fazer.
- Tá bom.
- O senhor escreve diário tio?
- Sim. Todos os dias.
- Por que será que eu não consigo tio?
- Por que se você escrevesse, eu não estaria aqui conversando contigo.
- Anh?
- Deixa pra lá.
- Que cor é o seu diário tio?
- Azul. Era vermelho. Agora é azul.
- O senhor mente?
- Só quando falo.
-Tio?
- Oi?
- O senhor tá certo... Eu acho que o mundo é filme. E eu ator-protagonista. E o senhor?
- Bah... Eu trabalho na produção.
- Tio, quando tu fechar o teu diário azul, o que vai acontecer comigo?
- Você vai levantar da cama, se olhar no espelho, só molhar o cabelo e finalmente vai acordar. E eu estarei dormindo.
- E é Japão é?
- Se você quiser é sim.
- Tchau, tio!
- Tchau rapaz. E pare de chamar os outros de tio.
- Tá ti... Desculpa moço!
- Ok.
- Eu vou me lembrar de você moço?
- Só quando eu for você.
- E isso pode é?
- Aí no Japão tudo pode.
- Tchau!
- Tchau.

(...)

"Menino! Menino! Ó Menino! Acorda menino! Acorda que tá atrasado pro colégio menino..."

Cid Brasil

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

ESCREVER É ADOECER


(Ashley Mackenzie)



Você que me lê num celular, no vaso ou numa mesa de bar. Você é o único amigo que tenho, por isso quero lhe dizer uma coisa, por favor, não ria, estou doente, e não quero que passe. Na verdade, estou apaixonado. Mas agora, é por um livro que estou apaixonado.

Sou um calhamaço de ansiedade, nesses primeiros capítulos, padecendo dos mesmos sintomas. Quero pegar nele, lê-lo de novo, reescreve-lo, melhorar a ele – e a mim. Por que você está assim? É fulana, eu responderia – Resumindo tudo e dizendo nada. Mas nesse caso é diferente.

Falei dele pra um cidadão, e a maneira que ele encontrou de rir da minha cara foi dizer: “É preciso foco para se trabalhar num livro...” - Detesto a palavra foco e também quem chama escrever de trabalho: Pra escrever não é preciso foco, é necessário adoecer. É alimentar todo dia um psicopata escondido para que ele bata com fúria nas teclas, estrangulando canetas para que vomitem nas folhas. Tem de dar braçadas intensas usando só um braço num mar salgado. Por alguém? É igual, igual, você me dirá. Tem razão! E na tradução se assemelham por que precisam sempre de um: EU TE AMO bem colocado. - Dito baixinho com letras carregadas de fúria capazes de estourar tímpanos, caixas acústicas, taças e folhas despreparadas. Só estando assim.

Febril! – Febril era a palavra que me rondava. Claro que toda a febre por vezes padece. Concreta ou abstrata daí vem raiva, ódio ou asco por aquilo que minutos atrás te salvava. Não rasgue, não xingue, não mate e não fuja. Alimente também o câncer dentro de você e recomece. Ou espere. Pois mesmo sem perceber essa selvageria toda volta e novamente lá estarás pedindo perdão. No meu caso: Beijando e acariciando uma bola de ferro que outros muito mais talentosos e furiosos que eu apelidaram de escrever.

Escrevo esse texto caindo de sono. Triste e irritado. Triste e cansando. Cansado e irritado por que não pude sequer rabiscar uma misera linha no meu romance – Ou será que não quis? – São essas perguntas que me puxam da cama; tão caído estou que risco essa crônica em forma de oração para poder dormir, pra sonhar que escrevo. Se fosse uma mulher atravessada em mim, seria aqui todo madrugada por não ter visto, falado ou escrito por (e para) ela.

Eu não aprendo; ele não aprende; tu não aprendes e ninguém aprende segundo me contaram. Estar apaixonado é terminar um paragrafo e também vir o dia, é por uma vírgula em local errado e ser tudo o contrário. Mas trair, ninguém trai estando obcecado. - É a única vantagem e a única certeza que te dou. Com o meu livro não consigo sequer ler outros livros, ouvir outros literatos ou pensar em mais ninguém.

Escrever é só você com seus fantasmas, falando sozinho, bebendo cachaça (ou expresso) no ‘Grão de Paris’: Tudo na ânsia de dizer e ser ouvido. Dizendo e ouvindo as risadas. Repetindo, repetindo e repetindo: Me digam meus anjos, onde vocês estavam? E eles murmurando: Viu como é bom seu canalha?

Me entenda leitor, estou assim deslumbrado, por que o mais perto que cheguei do amor foi escrevendo. Então me perdoe, por que agora digo pela primeira vez com sinceridade: Estou sem palavras.

Cid Brasil

domingo, 8 de setembro de 2013

EXPRESSO



(Jackson Pollock)
(Dedicado aos agentes da CIA)

Rita digita: O que seria de nós se não tivesse isso aqui? Léo responde: Ora, nos sempre teremos Paris, bebe! Rita: Que fofo! (Seguido de um coração). Lola mandou em caixa alta para Alfredo que o momento certo deles se ligaram não era no dia seguinte, mas sim quando desse saudades. Alfredo digitou, dentro do cinema para aquela moça adicionada recentemente, um efusivo: ok.

Troni@ escreveu um imenso e-mail para LaraFritas@, fez um texto tão choroso que até escorreram as vírgulas e os acentos. Digitou aquilo de um tablet vagabundo no meio da fila de um supermercado, não podia esperar chegar em casa, era urgente o que Troni@ tinha para dizer. Dois minutos depois, LaraFritas@ leu e se prometeu responder quando chegasse em Xangai, só não contava que receberia um torpedo escrito na língua do diabo no bar do Aeroporto Pudong assinado por Glov, que colocaria Troni@ no limbo e nos remetentes de Spam. Dois anos depois, enquanto arrumava suas coisas para voltar para Maceió e apresentar Glov para a família, - E já sabendo húngaro muito bem; Larissa releu o que o guardanapo dizia: 

“Seja de onde for, seja para onde for, seja de onde vier, saiba que acabou fazer alguém esquecer: De onde veio, pra onde vai e onde está. Prazer, Glov”.

Duas e meia da manhã da data universal de ontem, este que vos narra recebeu a seguinte mensagem: “Cid, querido! Encontrei aqui nos arquivos da vida, uma antiga conversa nossa pelo MSN... Você disse que me amava, e que queria ser humorista, hahaha. Lembra disso?” Não me lembrava que escrevia coisas assim na mesma linha. - E me conhecendo, é provável que a parte sobre ama-la tenha sido digitada com toda a veracidade que alguém com quinze possa conseguir. Ou, pode ser também que assim como ela na época, eu agora não tenha entendido a minha própria piada.

Na mesma hora, numa cybercafé de uma loja de conveniências El-Chapolin percorria bate-papos na internet querendo rir, passar o tempo e se possível encontrar uma namorada que jogasse Playstation – Tudo nesta desordem. Se suas pretensões fossem mais adultas naquela hora, ele não teria esculhambando Rosa_Mundo_H. Teriam sido grandes amigos. Rosa_Mundo_H, teclava de casa e de cuecas: Reclamava do vazio da existência, de pessoas nas baladas sem caráter e de quem ninguém tinha assistido ‘Pacto de Sangue’ no canal cult-movies. El-Chapolin tinha assistido, mesmo entre clientes bêbados e outros suspeitos que atendia, tinha adorado o filme. Após Rosa_Mundo_H revelar que era homem, se esculhambaram até El-Chapolin abandonar a sala Sarandi.

Mais cedo: Clóvis teve de repetir em voz alta todas as conversas que teve com Yara Ninfetinha, leu pausadamente as obscenidades gentis, as treze vezes que prometeu ser o professor se ela fosse aluna e cinco vezes o nome frigida que estava sublinhado nas folhas de A4. Leu tudo de novo chorando e pedindo desculpas pelo telefone para Liziane, a dona do perfil Yara Ninfetinha e mãe dos filhos de Clóvis.

Quando Laurito terminou seu expresso, parou de deslizar o dedo no visor do celular e pediu a conta, pagou o café e se foi. Nem falou se gostou ou não do que leu.

Cid Brasil