sábado, 8 de junho de 2013

O CONTO DE PEDRINHO




 
(Julien Malland - Seth)

Numa fila de supermercado flagrei um senhor tentando contar para a filha de seis anos que estava se separando de ‘sua mamãe’. Provavelmente aquela criança terá raivas eternas daquele supermercado, de filas e de seu pai, assim como outros traumas. Durante a espera, tentei reescrever o drama daquele homem de várias formas. Em todas as versões não consegui evitar um clichê, talvez pelo olhar da criança, usei um clichêzinho chamado:



Era uma vez...

Um moço chamado Pedrinho que um dia teve um sonho de como séria seu final.

A coisa que ele mais gostava era canto de passarinho, por isso tinha quatro gaiolas em sua casinha: Vazia, vazia, vazia & vazia. Todas vazias. Pedrinho morava só. A moça que dividia aquela casinha com Pedrinho dizia a mesma coisinha.

Fazia muito tempo que tinham se casado.
Fazia muito tempo que não conversavam.

Ela se chamava Pedrinha, era gordinha e não gostava de Pedrinho – E cá entre nos, ela era muito chatinha também. Detestava canto de passarinho, só que ela fazia muito barulho: Mastigando, soltando traque no sofá, falando no celular ou vendo novela. Detestava qualquer som que vinha de Pedrinho. 

Por isso Pedrinho respirava baixinho.
Por isso as gaiolas vazias.

Um dia durante o almoço, Pedrinho com todo cuidado, resolveu alerta-la para que evitasse comer tanta gordura no almoço, isso poderia estourar o coraçãozinho dela que era gordinho, gordinho.

“PORCO NÃO É GORDO? ENTÃO, VOCÊ JÁ VIU ALGUM PORCO MORRER DO CORAÇÃO? ’’

“Então coma lavagem!’’ Pensou baixinho Pedrinho. Desde de esse dia, Pedrinha quebrou o silêncio do casal, pelo menos da parte dela, agora era sempre aos berros, sempre gritando. Alguns diriam que ela agora falava alto para recuperar os anos de mudez com seu maridinho. Pedrinho não respondia, não gritava de volta, há muito havia se acostumado com o barulho dos outros desde menininho.

“VIADINHO, VIADINHO, VIADINHO!” (Os coleguinhas da escola)
“CALA ESSA BOQUINHA!’’ (As professorinhas)
“MEU DEUSINHO, O QUE FIZ PARA MERECER UM FILHO TÃO ESTRAINHO?” (O papai)
“PSIU! GRITE BAIXINHO, ELE NÃO TEM CULPA. FOI UM ACIDENTEZINHO” (A mamãe)

Numa terça-feira de junho e de chuva, vindo do trabalho, já gritado pelo seu patrãozinho, Pedrinho pensou que tinha feito tudo direitinho na sua vida: Sempre obedeceu aos papais e aos mais velhos, dormia cedinho, comia verdura, se formou, arrumou um empreguinho público e se casou. Como todo mundo fazia. Tinha feito tudo, e agora ele só queria ter passarinhos. Foi na feirinha e comprou dois. Para irritação da moça que dividia aquela casinha.

“ESSA CASA JÁ É CHEIA DE BESTEIRINHAS E VOCÊ AINDA ARRUMA MAIS MERDINHA!”

“Eles conversam mais que agente...” silenciou Pedrinho!

A vida de Pedrinho agora tinha apenas duas gaiolas vazias, e tudo tinha se tornado mais ameno, até aguentar a Pedrinha e os outros que não o entendiam.

Numa terça-feira de chuva e julho, pediu demissão do empreguinho e novamente na feirinha foi comprar mais dois passarinhos. Quando a moça que gritava viu as gaiolas coloridas, gritou tão alto, tão alto, mas tão alto que sua pressão subiu um bocadinho. E desmaiou.

Ela continuava igual em vida: Dura e fria, só que agora estava estatelada no chão.

Ele abriu os olhos como quem diz ‘e agora?’.
Abriu um sorriso!
Depois
Abriu as quatro gaiolinhas,
Deu meia volta e saiu voando dali para escrever outro fim.



Cid Brasil

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