sábado, 29 de junho de 2013

ÚLTIMAS LUZES



(Salvador Dalí)



Jogador de futebol, radialista, humorista, jornalista... – Passando um parêntese antes de cada uma dessas atividades e inserindo dentro deles as palavras: ‘quis ser’- Creio que fica melhor do que dizer que tentei... As seis peças de teatro em que atuei talvez me credenciem como ator em alguns meios. Minha carteira de trabalho avisa que o seu dono exerce o oficio remunerado de auxiliar administrativo, desde 2003. Em alguns hotéis coloco o nome ‘poeta’ como profissão (Pois poeta para muitos é tudo, para outros não diz absolutamente nada).


Quando me perguntam o que gosto de fazer, tenho quase o ímpeto de responder: “Rapaz, eu gosto de ler”. Por vezes evito, já que hoje todo mundo diz isso. Então aqui respondo: “Gosto mesmo é de ficar na janela”. – Agora, estou nela: É noite de São Pedro (dizem!) a fumaça das fogueiras da uma fotografia de sonho para o que vejo: Um rapaz com a camisa do flamengo andando com pressa a frente de um senhor, que pela aparência e intimidade nos reclames parece ser seu avô, o velho mancando, está tipicamente fantasiado velho como os velhos do interior: Camisa branca, calça social cinza, sandálias de couro e chapéu preto; a pracinha do lado de lá da esquina tem uma negritude instantânea, que vira palco para as bombas e chuvinhas de duas crianças; na casa de frente reaparece uma mulher que há tempos gostaria de fotografa-la, pois ela me lembra aquelas mulheres solitárias dos quadros de Hopper, sempre a vejo de minha janela em muitas noites iguais e diferentes a esta, sempre fumando, sempre só.  Desta vez ela está no escuro. E proporciono a ela o que melhor posso oferecer nesta vida/noite: Eu comendo pipocas na minha janela, sinto que meu desempenho é pífio (ou ela é uma das que não acreditam em janelas), pois agora a mulher do cigarro tem também um celular nas mãos que ilumina seu rosto cansado, o que vê ali? As ligações recebidas? Relê as mensagens quase decoradas? Verifica e-mails ou lê alguma crônica? – Talvez se sinta incomodada com alguém vendo seu retrato solitário. O velho e o menino seguem reto na rua e no meu olhar, cada vez mais distantes um do outro, tornando assim mais longo o suplício e a distância do vovô que ainda quer conversa. Na praça: As bombinhas acabaram, assim como as crianças. O cigarro da moça também. Antes de levantar, ela não responde (ou não vê!) o tímido aceno que faço. 


A fumaça de seu finado cigarro se junta as das fogueiras já mortas.


***


Me lembro de uma amiga que nas madrugadas de incertezas sobre si, a única certeza que diz possuir nesses momentos é a de querer ficar no escuro. Dias depois me contou sobre, e perguntou por que apagamos as luzes quando estamos muito tristes. Seriam todos assim? Na ocasião eu disse que era para não vermos nossa própria condição por alguns minutos. Para evitarmos as janelas e os que nos veem através dela. Para não enxergarmos nossas pernas cansadas.


De todos os personagens desta noite de São Pedro, os únicos que ainda insistem com luzes e palavras: Somos eu e o velho que manca.


Cid Brasil

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A CONFRARIA DOS PASSARINHOS




 
(Richard Diebenkorn)

O que tanto conversam os passarinhos as cinco e vinte e três da manhã?

Talvez assobiem/conversem assim o dia inteiro, mas com o silêncio do alvorecer, julgo que sou capaz de escutar uma prosa entre duas graúnas na árvore da esquina. Imagino que falem sobre os sonhos que tiveram esta noite.

De minha esquina escuto um piar solitário que possivelmente é de uma sábia enamorada. Ou de alguma ave mãe que está indo buscar o desjejum de seus filhotes. - Não sei, só posso adivinhar. Não sei o que tanto conversam os pássaros ás cinto e vinte e nove da manhã. Será que reclamam da chuva desta madrugada que atrapalhou o descanso de alguns deles? – Pela força de seus assobios julgo que o único que dormiu mal está noite fui eu.

Enquanto isso: Outros de minha espécie permanecem inertes; sonhando encontros impossíveis, situações absurdas e outras vidas, e essas imagens no final das contas se resumem a voos, loops e rasantes em busca de um vislumbre de uma coisa apelidada de liberdade.

Ás cinco e trinta e cinco é uma confraria de passarinhos o que ouço, pelo rumo da prosa algum deles contou uma piada. Ou não? – Na verdade o que consigo decifrar é que estão zombando de nós. – Sim! Estão rindo na verdade. A piada somos nós. Mesmo os engaiolados da casa de fronte riem a pio alto de seus próprios carcereiros: presos em gaiolas de tijolos, horários e compromissos. Os pardais que se bronzeiam no poste, parecem dizer que os pequenos desse lugar somos nós. – Eles riem dos que não sabem viver. Um pardal gargalha mais forte agora que coloquei a minha cara amassada na janela, tentando vê-lo. Tentando adivinhar o que seus pares tanto conversam ás cinco e quarenta da manhã.

Estão rindo: de mim, rindo de você e rindo de outro que da janela de baixo aparece e me faz companhia. No momento nem um ‘bom dia’ pra puxar assunto conseguimos emitir. Ás cinco e quarenta e dois não é de palavras que o mundo precisa.

Evito até olhar o relógio novamente (com medo de constatar que ainda ás cinco e quarenta e três eu ainda não sei do que tanto falam). Uma sinfonia de gargantas aquece lá longe, imitando gritos, gemidos e roncos tipicamente humanos. Infelizmente permitimos a eles poucas horas das vinte e quatro que imaginamos sermos os donos – Por isso, começo a suspeitar que eles tenham coisa melhor do que falar.

O homem da janela continua lá. Apenas ouvindo. Igual a mim.

Silenciamos dentro da nossa rouca inveja.

Ás sete da manhã os pássaros já disseram tudo.

Cid Brasil

terça-feira, 25 de junho de 2013

PELO POETA QUE HÁ EM NÓS


(Pablo Picasso)



Esbarro com uma foto de uma faixa iluminando uma rua e seus transeuntes: “Um dia escreverei um poema”, o autor da faixa e da foto é desconhecido, infelizmente, mas com certeza é poeta. Fico encantado, pois sou daqueles que acredita que todo mundo já escreveu um poema alguma vez na vida ou no bar, e que me atire o primeiro verso quem nunca teve seu momento de riscar rimas melosas em guardanapos úmidos e últimas páginas de um Tilibra.

É nessa questão que me indago: Como?

No geral, a pena do poeta-donzelo é sempre inaugurada pelo mesmo motivo: O amour! Seja ele o desesperado que platoniza em sala de aula ou o angustiado do primeiro encontro que chegou cedo demais; nesses casos, o terreno é fertilíssimo para que geralmente surja mais um Pablo Neruda pós-gripe.

Outra questão curiosa é: Como é possível que o mais alienado dos universitários ou a fã número um do Belo já tenha escrito os seus? Alguma cigana disse a eles que palavras rimadas apresentadas em versos e estrofes trarão a pessoa amada em três dias? - Não. Claro que não. É que nessa seara, se dá outro mistério da poesia, todo mundo além de escrever, já leu um poema na vida, nem que fosse aquele no mural da secretária da escola. E nem vou falar que a internet serve hoje com um trovador vanguardista, dizer isso seria como citar Clarice Lispector na rede. 

E se você ainda não escreveu os seus, lhe peço apenas calma. E que olhe não só para fora, mas para dentro: Para aquele poeta que há em nós, aquele com uma pena já fininha, tentando colorir a rotina, a pos-graduação, o transito e o patrão nosso de cada dia. - Just calm, que sua hora chegará.

Mesmo aquele que nunca passou sequer por uma rua de nome Castro Alves, é capaz de ver florescer versinhos bobos e apaixonados ao final de suas cartas românticas. Assim como a infeliz donzela que rabisca um ‘amor com dor’ na agenda recheada de fotos e embrulhos de bombons. Disso ninguém escapou e nem quis escapar. Pode ter certeza, mesmo o bigodudo da mercearia ou seu sogro cafuçu, já largaram seus tacapes e fizeram a caveira de Shakespeare regurgitar ao rabiscarem seus sonetos munidos de seus tocos de lápis ou pedaços de carvão.

Uma vez, tive a ousadia de dizer entre amigos que não gostava e nem lia poesia. Sim, eram tempos de trevas para este que vos escreve. Hoje assumo a importância de se ler mais poesia. Mas mesmo ali naquela fase de cegueira poética, escrevia meus parcos versinhos em homenagem a Ela, e Ela foi educada a tal ponto que me elogiou. Ela, era sábia, não se critica um Drummond de primeira viagem. Ah! Quantos crimes se cometem nome da poesia.

Ela, a minha primeira musa, não se encantou por aquele pobre rapaz carente de vitaminas líricas.

Hoje
Ela
É quase noiva
Pois é,
Ela ainda noiva
Se bobear já noivou
O namorado d’Ela ou agora noivo
não tem cara de quem escreve ou que lê
nem que faz rimas, odes, sonetos e madrigais enquanto a espera sair da aula
O atual noivo d’Ela
tem carrão
mora na parte de cima
e é formado em direito
como todo mundo
Hoje
Ela, não vale o poema ruim que inspira.

É curioso. Assim como o primeiro verso do poeta de fim de semana, essa crônica inteira me floresceu entre os dedos assim que vi a tal foto, e daí ele foi se antecipando e tomou a frente de outro relato que eu iria escrever: Um sobre a minha carreira de radialista, essa, foi bem mais duradoura e prolifica que a de poeta, durou cinco dias de minha adolescência.

Cid Brasil