segunda-feira, 27 de maio de 2013

O CLIENTE MORTO




(E.Hopper)


É sábado. Desligo o celular, dispenso as companhias e possíveis festas da noite para como diz o querido Fernando Sabino ‘puxar uma angustiazinha’. E consigo. Penso que minha pobre noite solitária será um sucesso, estou tranquilo, e o álcool já alivia meus pensamentos e anestesia minhas dúvidas.


- Garçom! Me empresta uma caneta, por favor!


E me pego em companhia de guardanapos, escrevendo uma carta de perdão a uma moça que nunca enviarei. De repente, percebo que todos os garçons do bar estão com olhos voltados para mim, me sinto uma pessoa admirada, um romântico! Talvez pensem de mim um poeta... Quando me dou conta do ridículo da situação que é não perceber que o local já está fechando, com cadeiras recolhidas e metade das luzes apagadas.


- A conta! Sua caneta... Obrigado!


E rasgo os guardanapos com as mais terríveis desculpas e os mais belos xingamentos que só os ébrios são capazes de proferir a suas amantes. Guardo os restos da missiva no bolso. Já havia traído várias certezas aquela noite: A de que iria beber apenas uma cerveja e não pensar naquela em que penso todos os dias. Chego noutro bar, nesse nunca vim. Parece que todo mundo se conhece no local, ou será que minha solidão é que começa a aumentar.


- Boa noite senhor, quer alguma coisa? – Me pergunta um garçom com olhar triste.


- Uma cerveja. E uma ficha de sinuca de petisco.

O garçom sorri, e ao trazer o pedido fica me olhando, talvez esperando outra tirada espirituosa ou estranhando a minha solidão naquele lugar onde todo mundo parece ter sido convidado. As poucas mesas são ocupadas por grupos de amigos e casais. E a única saída e ir me agarrar a grande senhora vestida de verde, conhecida como sinuca, e antes de me dirigir a ela, percebo que o garçom de olhos tristes, ainda me encara e resolvo justificar minha solitude ali, (arruinando assim o meu sábado e os seguintes).


- Olha! Eu vim aqui hoje, por que meu amigo adorava esse lugar!


- Como assim? – Pergunta o garçom.


- Meu amigo me convidava sempre, mas eu nunca quis vir. Hoje estou aqui em homenagem a ele.


- Como assim? Ele viajou?


- Não. Ele... Morreu... Acabo de vir do enterro.

E me escapa essa... Essa frase que minha embriaguez julgou ser a mais sensata e inteligente para por um ponto final aquele diálogo.


- Caramba! Espera. Era cliente? Como era ele?

Penso num tipo, que seja contraponto a mim, para minha vista e por estas plagas.


- Loiro, alto, cabelo claro, olhos verdes...


- Hum... Acho que sei quem é! Ele vinha sempre com a namorada. – Seu olhar parece agora mais triste.

Penso que ele sacou a brincadeira, e está querendo agora reverter o jogo. Sorrio e ganho de volta sua cara melancólica.


- Como é mesmo o nome dele?


- Jonatas! – Respondo de bate pronto.


- Ah! Sei agora quem é! Ele só queria que eu o atendesse, me chamava sempre de xará.


– E diz isso com uma cara de imenso espanto que me desconcerta. - Mas, morreu de que?


- Olha... Jonatas, não é? Eu acabo de vir do enterro dele. Olha aqui, até li um discurso lá. – E puxo os restos da missiva no bolso. – Então, ainda tô meio abalado com tudo, e gostaria de não falar muito sobre isso.


- Não, entendo. Tudo bem. Olha meus pêsames. Qualquer coisa me chama, Jonatas, viu! – Diz ele arrasado, imaginando que esquecerei seu nome.


Desisto da senhora de verde e sento numa mesa me escondendo atrás da cerveja e de minhas culpas por ser um canalha, um pseudo-assassino; afinal, acabo de matar um ótimo cliente, uma pessoa simpática ao pobre Jonatas, alguém que vinha e se divertia aqui, que era camarada. ‘Será que dava gorjetas?’ ‘E se ele aparecer aqui agora ou amanhã?’ No fim acho justo a minha culpa e meu ódio contra meu senso de humor (horror?) e só encontro uma saída:


- Jonatas a conta!


E devolvo as fichas da sinuca, deixo uma boa gorjeta quase como sinal de pêsames, já que ele acaba de perder um cliente, uma xará... E devolve meu troco em palavras de força e desejos para que eu volte numa hora de melhor astral. Nos dias seguintes ainda tenho a situação na cabeça, não consigo deixar de imaginar o constrangimento dos Jonata’s, o garçom e o morto vivo ao se encontrarem. E todas as soluções que me aparecem são piores do que o problema, dizer que errei de lugar ou errei de morto, quiçá o garçom que errou de cliente.


Enfim...


Por via das dúvidas, na semana seguinte volto lá. Não tenho coragem de tocar no assunto. Mantenho um acordo silencioso com o Jonatas vivo e colocamos uma pedra no assunto, ele respeita o meu luto e eu tomei o lugar do finado como cliente habitual e que deixa boas gorjetas. Só espero que ninguém me mate se eu parar de ir lá.

Cid Brasil

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