terça-feira, 21 de maio de 2013

ATESTADO



Paul Devaux

- Meu senhor, me permita explicar por que não apareci no dia de ontem:

É que perto de dormir, naquela hora da meia luz do abajur, vi uma imagem que me traduziu tão bem, que fiquei me perguntando se isso não era uma instalação d’algum artista de vanguarda fazendo leituras minhas. Depois, me permiti ir até as onze sonhando com valsas em beira de estrada, e ainda dormitando no calor do meio dia, bolar planos de fuga ou maneiras mil de rasgar a coleira que me forças a vestir. Ontem meu caro, eu nem nasci! Essa farda que queres sempre que eu vista no rosto em forma de lua e com dentes desenhados, pardon compadrito, eu a perdi! Mas é que na manhã que não amanheci, escrevi na porta do quarto: HOJE NADA! Por favor, entenda que ontem, só ontem, e ontem apenas (que torço para ser amanhã também)... Bom, ontem como vinha falando: Permiti-me curar umas ansiedades dentro de mim com biscoitos de chocolates, garrafas de vinho, alguns comprimidos, gozadas atravancadas e letras acavaladas (como tanto queres me impedir) – Ó: Fiz tudo isso de uma vez, viu? Depois de novo, de novo e mais uma vez (assim como questo dia que quero reprisar). Olha meu amor, apertei aquela mão cheia de graxa do mendigo da esquina e depois fui almoçar – Ás cinco da tarde. Afinal, ontem, nem era tu Brutus, que existiu! Não tinhas tu/você/vós nesta terça. Não tinhas vossa excelência para fingir não me ouvir, para fingir sorrisos e nem escutar eu mentir que ‘está tudo bem!’ - Como sempre, como todos os dias. É... Eu fiz tudo que não podia fazer doutor! E não me arrependo, meu irmão – Começo a me arrepender agora ao te contar tudo isso, chefe. Olha, nem adianta usar os teus recursos em forma de frases feitas: Tô despedido! Suspenso por trinta dias! Passe no RH! Tá acabado! Tá terminado tudo entre agente! Vá para casa e não me telefone mais! Está suspenso! Vá dormir!– Já conheço todas as tuas palavras de ordem, mamãe. Teus blá,blá, blás que até o Cebolinha diz com mais vida meu papai. Já sei também os figurinos com que te disfarça em minha vida. Desliguei sim o celular, a televisão, campainhas, sinetas e computadores; fechei jornais, janelas e portas (estas comigo para o lado de fora!) – Sim, como desconfias sempre, não adoeci ontem, foi simbolicamente para você não me achar e naqueles vãos sem ti, eu buscar as carcaças do que já fui ou sou, e buscar minha caixa preta de menino inconsequente de outrora, não vou te dizer se achei ou a extraviei - Isso você não pode saber meu governador. Faça essa cara de desconfiança mesmo, pois agora que aprendi, meu desejo é refazer aqueles passos de títere desengonçado novamente. Pois é, muito bom você não existir mais, meu patrão, minhas esposa/namorada, deus, carcereiro, colega-companheiro de trabalho, minhas obrigações, meus desejos, vícios ou seja lá qual for o crachá que usas em tua firma batizada de rotina. – Está que inconsequentemente me demiti!

Embora hoje meu compadre, esteja eu aqui.

Cid Brasil

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